LIVROS COM A LETRA "C"
Autor do livro: Jorge Amado
O chefe desse grupo era o chamado Pedro Bala, ingressara na vida na rua com cinco anos e com um pouco mais de idade se mostrava mais corajoso e capacitado líder para as crianças, era loiro e filho de um grevista morto no cais. Nesse grupo viviam mais de cinqüenta crianças, entre eles o chamado Professor, Gato, Sem Perna, Volta Seca, Pirulito, Boa Vida, João Grande e outros. Todos viviam em um trapiche abandonado na praia.
Professor sabia ler e assim passava as noites à luz da vela lendo livros que de algum modo foram adquiridos, e também muitas vezes lia as histórias para os capitães ou então inventava a partir do que já lera. Possuía um grande talento para desenhar, muitas vezes ganhava alguns réis desenhando casais e jovens nas ruas da Bahia.
Gato era um dos mais belos do grupo, quando chegou um dos meninos tentou se relacionar com ele, o que acontecia costumeiramente no trapiche, mas ele não se dispôs. Era vaidoso, elegante e tinha ginga de malandro. Andava arrumado dentro do que era possível, de acordo com sua realidade de menino de rua, o cabelo sempre melado de brilhantina barata. Com sua pouca idade, na adolescência se apaixonou por uma mulher da vida, Dalva. No início ela tinha um amante, mas foi até que ele se cansou dela e a partir de então ela e Gato iniciaram um caso.
Sem Pernas, era coxo e odiava tudo. Uma vez fora pego pela polícia e isso despertara nele uma grande amargura, os policiais o colocaram em uma sala e riam enquanto forçavam o menino a correr pela sala. Ele implicava com os meninos mais novos e novatos. Muitas vezes ele era usado nos planos de assalto a casas, batia a porta pedindo ajuda, declarando ser um órfão aleijado. Despertava a compaixão e assim ficava na casa até descobrir onde os bens preciosos eram guardados, indicando-os depois aos capitães da areia. Foi assim que certa vez ganhou uma nova mãe que via nele o filho perdido. Era bem tratado, mas a fidelidade aos capitães impedia que ficasse lá para sempre, e foi assim também que se envolvera com uma mulher de meia idade que lhe oferecia um amor carnal e incompleto.
Volta Seca era afilhado de Lampião, pedia sempre ao professor que lesse para ele as notícias de seu padrinho, era também um fiel ajudante nos assaltos.
Pirulito tinha o chamado de Deus em sua vida. Padre José Pedro, um pobre sacerdote era amigo dos capitães, ensinava-os e foi ele que contribuiu para o fim das relações homossexuais no trapiche. Foi ele também o responsável pela religião de Pirulito, que através dos ensinamentos dos padres buscava uma vida mais correta chegando até a abandonar o roubo.
Boa Vida era um dos moleques do trapiche, era esperto e também participava dos roubos. Por fim João Grande, esse era um negro burro, porém era bom, como diziam os próprios companheiros.
A polícia perseguia os capitães e a maioria da cidade não gostava deles. Mais eles tinham o padre, D. Aninha, uma negra praticante de candomblé; e João de Adão um grevista do cais.
Chegou à praia então a varíola, todos temiam a doença, pois quem a adquirisse devia ser entregue ao governo que os mandava para o lazarento, e tinham como fim a morte. Foi assim que um dos meninos do grupo foi para lá. Tentaram encobrir a doença, mas o médico acabou falando aos governantes e o menino foi para o lazarento e o padre José Pedro castigado.
Foi assim também que a mãe de Dora e Zé Fuinha morreu, eles sozinhos no mundo desceram do morro, ela procurou emprego, mas a doença da mãe lhe destruía as vagas. Assim eles ingressaram no grupo dos capitães, inicialmente os meninos quiseram se relacionar com ela, mas a defesa de Professor, João Grande e Pedro Bala impediram. Logo Dora era a mãezinha e a mana dos meninos. Mas para Pedro Bala ela era a noiva, para Professor também, porém Dora retribuía apenas a Pedro. Ela também ajudava nos roubos, era uma companheira.
Um dia em um assalto alguns dos capitães foram presos, dentre eles Pedro Bala e Dora, mas a ação rápida do líder dos capitães fez com que apenas ele e Dora fossem presos. A menina foi mandada a um orfanato, já Pedro foi torturado pela polícia, mantido em uma solitária por oito dias e depois lançado no reformatório. Porém, os meninos agiam do lado de fora e assim Pedro se fez livre.
Quando foram libertar Dora, ela se encontrava doente. E poucos dias ainda viveu entre os capitães. Mais na noite antes de partir ela e Pedro Bala consumaram o amor dos dois tornando-se esposos. Depois disso, os capitães seguiram a vida. A juventude já chegava para alguns. Padre José Pedro acabou ganhando sua capela e Pirulito foi embora com ele para trabalhar na Igreja de Cristo. Sem Pernas fugindo da polícia acabou morrendo, mas não deu o prazer aos policiais de o pegarem. Gato foi para Ilhéus junto com Dalva onde vivia da malandragem, depois chegou a voltar a Salvador, mas só de passagem, pois já ia embora com uma negrinha.
Boa Vida parou aos poucos de voltar ao trapiche e vivia em farras, amando a Bahia e tocando modas no seu violão. Professor entrara em contato com um homem que um dia lhe oferecera ajuda depois de ver os seus desenhos, foi para o Rio de Janeiro e se tornou um pintor, retratava as crianças da Bahia. Volta seca foi atrás de seu padrinho Lampião e se tornara um cangaceiro, na sua arma marcava a morte de mais de sessenta homens, no entanto a polícia o prendera e o condenara pela morte comprovada de 35 homens.
Os demais capitães da areia se envolveram com as greves e lutavam a favor do povo. Alberto, um estudante, sempre os visitava e juntos lutavam pelo ideal grevista. Foi assim que Pedro Bala foi embora, a pedido de Alberto partiu pra organizar os Índios Maloqueiros de Aracaju, o posto de líder dos capitães de areia foi entregue a Barandão.
Anos depois Pedro Bala era o ícone da luta do povo e todos pediam por ele.
Autor do livro: Machado de Assis
Foi nessas circunstâncias que deu início à sua freqüência na chamada Casa Velha, após o padre Mascarenhas, pregador da capelinha da casa, insistir muito. Ali vivera um ministro que trabalhara para o Imperador. Agora na casa viviam apenas seu filho, Félix, sua viúva, D. Antônia e os empregados.
Ele, com a permissão da viúva, logo deu início ao estudo dos papéis e livros que estavam na biblioteca do ex-ministro. Em pouco tempo já se tornara amigo da família. Félix mostrava nutrir uma grande amizade pelo padre e vice-versa. Ele geralmente só voltava à sua casa ao anoitecer e passava ali o dia tomando notas na biblioteca, tendo conversas com Félix e almoçando com a família.
Sendo amigo da família, D. Antônia veio pedir-lhe que convencesse Félix de ir a Europa, e que o padre acompanhasse o rapaz. Enquanto isso, o rapaz confiava ao padre a vontade de ser deputado. O padre dava apoio à idéia dele e quando o inquiriu sobre a Europa ouviu de Félix que não podia ir.
Nesses dias chegou à Casa Velha uma mocinha com cerca de dezessete anos, chamavam-na de Lalau, tinha lindos olhos e aparentava ter uma linda alma também. Ela era agregada na casa, ficou órfã muito cedo e fora criada pela tia. Estando o padre na biblioteca, certa vez recebeu a visita de Lalau, ocasião em que ficaram um bom tempo conversando e ela lhe falou como trocaria tudo para ter a companhia de sua mãe de volta.
Ele já estava encantado pela menina, chegou a ver nela certo interesse por Félix, mas notou que parecia que ela o estimava mais. Depois observando o rapaz acreditou que ele, na verdade, fazia uma linha de sedutor. Entretanto, essa idéia se mostrou errada. Estando em sua casa, recebeu a visita de Félix e conversando com ele falou que Lalau devia se casar, ele citou que a mãe já pensara em um noivo para a menina, Silvirino – filho do segeiro. O padre então disse que ele não era um bom noivo para ela, visto que ela tinha recebido da melhor educação por parte de D. Antônia, e que o noivo ideal para ela era o próprio Félix.
Depois dessa conversa ele soube que os dois se amavam e ficou encarregado de interceder a favor do casamento dos dois com D. Antônia que era uma mulher orgulhosa e queria fazer do casamento do filho uma aliança entre famílias. Ele conversou muito com ela, mas o casamento não fazia a sua vontade e chegou até a confessar que Lalau era o motivo pelo qual queria que o filho fosse a Europa.
Alguns dias depois chegaram à Casa Velha alguns hóspedes para assistir as missas e participar da festa da Glória. Nesse episódio, ele pôde ver o interesse que D. Antônia tinha em ligar o filho a Sinhazinha, filha de um coronel que lhe ajudara com os relatos sobre o Imperador.
No dia seguinte à partida de todos, inclusive Lalau, que tinha voltado para a casa da tia, o padre chegou à casa de D. Antônia e notou sua preocupação. Questionada, ela deixou claro que acreditava que o casamento de seu filho e Lalau era impossível porque ela era filha do ministro, que teve seus romances fora do casamento. Ficou na responsabilidade dele contar que aos dois que eram irmãos.
Primeiro falou a Félix. Este ficou demasiadamente triste e passou a noite fora de casa, caminhando e refletindo. No outro dia confidenciou ao padre que agora o amor que tinha por Lalau se convertera em amor de irmão. Já Lalau, quando voltou à Casa Velha e encontrou os ares diferentes e a frieza de Félix, se entristeceu profundamente. Acreditava ter sido motivo de escárnio para Félix e afirmava não merecer nada diferente já que era pobre. Até que finalmente lhe contou o que se passava e a moça, tomada de tristeza, voltou para a casa da tia.
Lalau agora desejava apenas viver do trabalho que pudesse fazer para se sustentar e nunca iria se casar. Na Casa Velha, D. Antônia trabalhava para casar o filho com Sinhazinha e assim curá-lo totalmente da antiga paixão e também poder retomar a presença de Lalau em sua casa. A este ponto o padre já havia terminado seus estudos na biblioteca do ex-ministro.
Era seu último dia ali quando encontrou um bilhete que o fez procurar a tia de Lalau, Mafalda. Ele finalmente contou a ela o motivo do rompimento de Lalau com os moradores da Casa Velha. Sabendo da verdade, ela pode esclarecer os fatos. Era verdade que o ministro teve um caso com sua cunhada, mas nesse tempo Lalau já era nascida. O anjinho a que o ministro fazia menção no bilhete encontrado era o bebê, fruto de sua infidelidade, que morrera aos quatro meses de idade.
Alegremente, o padre foi procurar D. Antônia e contou-lhe toda a verdade. E ela também lhe contou toda a verdade. Ela criara a história sobre Félix e Lalau serem irmãos como último pretexto para impedir o casamento, e agora sabia que supusera corretamente, mas estava arrependida e aceitava o casamento do filho.
Félix se alegrou intensamente com a notícia, mas Lalau não. Esta não aceitou o casamento e disse que seria uma vergonha casar-se com o filho do homem que envergonhara sua família. Assim ela fez sua recusa e não cedeu às insistências do padre, da tia e até mesmo de Félix. Ao final ela se casou com Silvirino e Félix com Sinhazinha. Foram honestos, felizes não se sabe.
Autor do livro: José de Alencar
Logo os braços dos dois fortemente se tocavam e ele, assustando-a, lhe entregava um beijo no ombro. Durante um curto tempo acreditou que ela era feia, mas depois, ao sentir seu perfume, viu como ela deveria ser extremamente bela. Porém logo o ônibus parou e ela se despediu dizendo apenas: “não se esqueça de mim”.
Desta maneira ele passou a amá-la sem conhecê-la e a buscá-la incansavelmente. Tempos depois reconheceu em uma velha a mesma voz de sua amada desconhecida, e temeu estar apaixonada por uma senhora. Mas logo descobriu que amava a filha dessa senhora.
Finalmente reencontrou-se com ela no teatro, e como ela não lhe falou nada antes de ir embora, disse-lhe como era má por tratá-lo daquela maneira. Em sua casa encontrou uma carta assinada por ela, Carlota, que afirmava que fugia dele por que o amava, mas que por ele ser amada não convinha, pois viveriam um romance desgraçado. Assim, ele pronto para esquecê-la se retirou na Tijuca e quando retornou já se sentia arrependido te ter negado sua paixão, porém para sua surpresa encontrou uma carta.
Carlota lhe escrevera afirmando que amava-o e sempre ficava a espera de o ver passar pela janela, mas que agora estava indo a Petrópolis. A carta já contava dois dias, e o ato instantâneo dele foi ir a Petrópolis também. Chegando lá perguntou, oferecendo dinheiro, se duas senhoras não haviam subido por esses dias, o resultado foi ficar na janela de Carlota a ouvindo cantar.
Posteriormente, ela teve com ele e sozinhos declararam seu amor. Radiante, ele foi embora e assim no dia seguinte encontrou uma nova carta dela, que lhe avisava que estava de volta ao Rio, e que agora a distância lhes separavam por 24 horas, tendo ele a chance de escolher ir atrás dela ou não se arriscar naquele romance que ela afirmava tão difícil. Difícil porque ela estava doente.
Nessa mesma carta, Carlota contava a ele que desde que se iniciara na corte notara nele uma diferença e se apaixonara. Seguia-o sempre com o olhar e que desde então o amou, porém condenava seu romance porque estava doente, tinha consigo uma doença que lhe condenava à morte. Sendo assim dava a ele a opção de amá-la e ir ter com ela ou de esquecê-la.
Ele, assim que leu a carta com pressa, deixou o hotel. Desesperadamente comprou um cavalo com quem voou para a praia a fim de tomar a barca naquele dia ainda. Conseguiu chegar à praia, mas a barca já havia partido e o fiel cavalo que voara pela estrada morreu exausto.
A seguinte medida foi importunar um pescador para que esse o levasse em sua canoa até o Rio em troca de ganhar o valor que conquistaria com um mês de pescaria. Dentro da canoa sonhava com o momento que por fim estaria com Carlota, no entanto como ambos tomaram uma dose de vinho acabaram adormecendo e perdendo os remos.
Passaram a noite na canoa e já chegavam a mais uma noite quando, energizado pelo vinho, o pescador nadava puxando a canoa. Chegaram a uma ilha já com a lua no céu e ali conseguiram mais dois remos, que permitiram finalmente chegar ao Rio de Janeiro.
No entanto, o que encontrou foi mais uma carta de Carlota que incrivelmente já sabia de seus feitos e que justificava a sua tardia chegada como um contratempo na viagem feita com canoa. A carta ainda avisava que agora ela estava a caminho da Europa. Novamente ele a seguiu e foi assim que, chegando à Europa, em cada correio de cada cidade que passava ele encontrava uma carta de Carlota que lhe indicava que caminho seguir para encontrá-la.
Quando finalmente estiveram juntos, apenas desfrutaram do amor que tinham um pelo outro. Foi em uma tarde que ela lhe pediu que antes que ela morresse – coisa que não demoraria – ele selasse a sua morte com um beijo. Acabado de dizer isso e ouvir a promessa, afirmou que era o momento. Ele a beijou.
A reação de Carlota foi desejar a vida. E assim o amor a curou. Casaram-se e por muito tempo viveram na Europa se separando apenas quando ele ia ter com seus livros e ela com suas flores. Assim viveram felizes em seu amor por um bom tempo na Europa e depois de volta ao Brasil.
Autor do livro: Machado de Assis
Na escola subiu com cautela as escadas, com medo do mestre que era muito severo. Por sorte chegou antes dele, que ainda demorou três ou quatro minutos. Então a aula começou. O pai dele sonhava em ver o filho um comerciante, lendo, escrevendo e fazendo contas. E ele era até um bom aluno, talvez o melhor da classe. Sempre era o primeiro a terminar as atividades.
Raimundo era o filho do mestre e por isso era o mais cobrado. No entanto, ele não era muito inteligente e tinha que se esforçar ao máximo para aprender as lições. E por isso veio falar com Seu Pilar. Disse que queria falar-lhe, mas não podia ser agora. Assim fizeram as lições e só quando o mestre estava entretido com o jornal é que eles vieram a conversar.
Raimundo mostrou uma “pratinha” que trazia no bolso. Ganhara no seu aniversario e a ofereceu a Seu Pilar. O menino achou que ele brincava, mas quando viu que o menino falava sério aceitou a moeda. O que Raimundo queria em troca era que o colega o ensinasse a lição que ele não conseguia entender.
Assim, com cautela, eles fizeram a troca. Com cautela porque tinha o mestre ali na frente que, se visse, o castigaria com a palmatória. Curvelo, que era um colega mais velho e arteiro, não tirava o olhar de sobre os dois, tendo um riso maldoso no rosto.
Com a moeda no bolso, Seu Pilar ficou sonhando com o dinheiro e a beleza da moeda, até que o mestre o chamou e a Raimundo também. A seu lado estava Curvelo. O mestre pediu a moeda e a jogou pela janela. Depois, chamando os meninos de sem-vergonha, os castigou com doze “bolos”.
Depois disso, Seu Pilar jurou dar uns bons murros em Curvelo. O menino, no entanto, sumiu depois da aula, e ele não o conseguiu achar.
No dia seguinte, ele que tinha sonhado que achava a moeda na rua e a pegava de volta. Arrumou-se rapidamente, ainda mais que tinha ganhado uma nova calça de sua mãe. Tinha esperança de chegar à escola e recuperar a moeda, mas no caminho encontrou o batalhão de fuzileiros que tocava tambores e assim ele preferiu seguí-los a ir para a escola. Acabou a manhã na praia da Gamboa. Voltou pra casa sem a moeda e sem peso na consciência. E foi com os dois colegas de sala que aprendeu a corrupção e a delação.
Autor do livro: Carlos Drummond de Andrade
Sorvete – Joel e seu colega moravam em uma pequena cidade, no entanto, para quem vinha do campo já era de se impressionar. Os meninos costumavam ir ao cinema, mas em uma tarde ao passarem pela confeitaria viram um anúncio em que se oferecia sorvete de abacaxi, especialidade da casa. O amigo de Joel quis deixar o filme para ficar e tomar o sorvete, porém acabaram indo para o cinema. Lá não conseguiam prestar atenção, só pensavam no sorvete. Abandonaram o filme e foram à confeitaria. Experimentaram e odiaram, Joel comeu do mesmo jeito e o amigo foi obrigado a comer também. Deixar o sorvete na taça era ferir a honra da família. Ambos tomaram até o fim aquele sorvete que odiaram.
A doida – Na cidade havia uma doida, muitas justificativas do porquê que se tornara louca. Vivia em uma casa isolada de onde, às vezes, saia uma nega que por três meses ou menos trabalhou ali como doméstica. Os adultos para assustar as crianças faziam ameaças como: “você vai almoçar com a doida, dormir, morar com ela”. Certa vez um grupo de meninos tacava pedras na casa da doida, queriam vê-la sair da janela gritando palavrões, no entanto, ela não apareceu. O mais novo dos garotos encheu-se de coragem e penetrou o jardim, logo estava dentro da casa e os outros meninos já tinham ido embora. Na casa suja e destruída encontrou um quarto nas mesmas circunstâncias, porém ali estava a doida, ao vê-la não quis mais machucá-la, pelo contrário, percebeu que ela estava à beira da morte e se compadeceu, ficando junto dela esperando o momento chegar.
Presépio – Das dores era jovem e seu pai a enchia de tarefas para que ela não ficasse com tempo vago pra pensar em bobeiras. Nem por isso a menina deixara de viver, tinha um namorado, Abelardo. Naquele dia era véspera de natal e ele tinha ido visitá-la. A visita atrasou a finalização do presépio. Era isso que afligia Das dores, ela era a única que sabia montar corretamente o presépio e tinha que terminá-lo naquela noite, mas terminar aquilo a impediria de ir à missa de galo para ver Abelardo. Ela conhecia bem o relógio e como as horas voam quando se precisa dela, os irmãos ainda a atrapalhavam e a visita de amigas para combinar o horário de irem à missa também. Das dores montava o presépio, mas em cada objeto só via e pensava em Abelardo.
Câmara e cadeia – Estavam todos os homens da Câmara Municipal ali discutindo os impostos a serem cobrados, no entanto, entre todos aqueles homens só um fazia o trabalho, Valdemar. O calor abafava a sala e ele foi até a janela onde ficou olhando as redondezas. Embaixo da câmara ficava a cadeia, ele se lembrou de quando era menino e como a imagem dos presos já lhe era familiarizada. Foi em meio a isso que ouviu barulhos que o fez voltar à sala. Um preso havia fugido e ido lá para a câmara, os homens gritavam querendo o submeter à sua “autoridade”, Valdemar convenceu o preso de se sentar e ali ele contou que abrira a fechadura e saíra, tinha ido até lá para ver os homens que pisam na cabeça dos presos, contou também do calor e das nojentas refeições da cadeia. Até que Valdemar levantando disse que teria que prendê-lo novamente, o preso naturalmente tentou fugir, Valdemar deixou o problema com os policiais que já o perdiam de vista na fuga.
Beira rio – As chamadas terras da companhia eram lideradas pelo capitão Bonerges. Lá as bebidas alcoólicas eram proibidas e talvez por isso os trabalhadores fossem tão desanimados, não tinham o que lhes fizesse esquecer a realidade. Até que chegou por ali um negro que vendia bebida, claro que agia de forma escondida, porém nos trabalhadores logo se encontrou uma animação e disposição para o trabalho nunca visto. Bonerges desconfiando enviou dois homens para que rondassem o negro e o retirassem das terras com suas bebidas, no entanto eles voltaram alegando nada ter encontrado, mas seus bafos eram de bebida. Bonerges então chamou o capitão do destacamento policial. Eles chegaram e logo o negro afirmou ter licença do governo para ter aquele comércio ali, no entanto os homens destruíram a vendinha e todos os produtos obrigando o negro ir embora, esse foi, mais sem pressa, caminhando lentamente mesmo ao som dos tiros.
Meu companheiro – O homem na estrada pagara mais que o necessário por um cachorrinho, não passava de um vira-lata, mas tinha traços de cães de raça. Levou-o pra casa e já lhe dera o nome de pirulito para evitar confusões. A mulher não era muito chegada a animais de estimação, gostava do bichinho, mas não se aproximava. Ao filho mais novo foi dado o título de dono, porém pirulito gostava mesmo era do homem e ele do cachorrinho. Os dois eram companheiros e se punham a conversar, os meninos até implicavam, pois o cachorro gostava de gente “velha”. Então certo dia o cachorro desapareceu, o homem até pensou ter sido ação da esposa, mas logo desconsiderou, só sabia que o amigo tinha ido embora como muitas pessoas fazem.
Flor, telefone, moça – Uma amiga lhe contou essa história. Uma moça morando em uma cidadezinha vivia em uma casa ao lado do cemitério. A diversão muitas vezes era assistir os velórios. A menina de tanto acompanhar tais eventos se habituou ao cemitério e por lá já passeava. E foi em um de seus passeios que arrancou do chão uma florzinha insignificante e, instantes depois, a lançou fora sem maiores preocupações. Foi ai que começou a receber ligações de uma voz distante e suplicante que todo dia ao mesmo horário pedia sua flor de volta, aquela que nascera em sua cova. Como as ligações não paravam a menina contou aos pais que pediram ajuda policial até que só passaram a acreditar no conteúdo espiritual daquela voz e procuraram em centros ajuda. A voz não parou e ligou até que a menina de tal forma perturbada morreu.
A baronesa – Luis vivia naquela casa há um bom tempo e só vira a rica baronesa quatro vezes. E no dia da morte dela, saiu correndo em busca de Renato, o sobrinho-neto. Chegou a casa dele e juntos voltaram para a casa onde a baronesa vivia. Tratava-se de uma rica senhora e quanto mais cedo se chegasse de mais jóias se apoderaria. Renato chegou, entrou no quarto e pegou o poço que sobrara, incomodando a posição de morte da baronesa, e depois saiu do quarto. Luis o esperava, entraram no banheiro e fizeram a partilha justa das jóias da morta.
O gerente – Samuel não se casara, era o gerente bem sucedido do banco, vivia a freqüentar a sociedade até que incidentes se deram. Primeiro ao beijar a mão de uma dama a quem cumprimentava essa começou a sangrar, outra vez depois do jockey novamente quando ia beijar a dama em despedida passou correndo em um cavalo um homem e logo se viu a Mão da mulher sangrando. O médico avaliou que o dedo tinha perdido sua ponta através de uma mordida e logo acusaram Samuel, a polícia o questionou mas em nada resultou. Em uma festa, novamente ao cumprimentar uma dama, ao mesmo tempo em que um garçom passava a ponta do dedo lhe foi arrancada. A essa altura as mulheres temiam os cumprimentos de Samuel. Teve por fim uma última dama com quem tomara um sorvete e conversara sobre o inventário e outra coisa, quando foi se despedir entrou um homem vendendo lâminas e o dedo da viúva sangrou depois do beijo. Com isso, Samuel foi afastado do banco e foi morar em São Paulo, trabalhando no banco de lá, anos depois voltou ao Rio e se encontrou com a viúva que perdera a ponta do dedo, porém ela tinha adquirido uma infecção e teve o braço amputado. Os dois continuaram o encontro, porém apenas bebendo muito. Na manhã seguinte Samuel voltou a São Paulo sem finalizar o negócio que tinha levado ao Rio.
Nossa amiga – Uma menina de três anos vivia entre duas casas, para as quais ia sozinha mesmo. Para evitar a mão bisbilhoteira criaram Catarina, uma menina que por brincar com um cachorrinho de vidro que a mãe não tinha permitido, quebrou-o e virou uma borboleta “bruxa”. E Pepino que era um velho bêbado e curvado que pegava as crianças. Às vezes a menina não queria ir embora de uma casa para outra com medo do Pepino, falavam que iriam dar uma festa e chamar Pepino só para a menina ver como ele era bonzinho e ela com raiva ia embora dizendo que não viria à festa, mas logo voltava arrumada e de banho tomado. Festas era o motivo pelo qual ela tomava banho. Por fim, brincava também de mamãe, usando frases colhidas da conversa dos adultos.
Miguel e seu furto – Miguel se tornou um homem simpático, porém nunca assumira uma posição na vida e agora, findado o seu sustento, dormia em jornais. E foi lendo as manchetes desses que teve a grande idéia de roubar o mar. E assim o fez, mesmo que o mar ficasse no mesmo local novas regras tinham sido estabelecidas, como o imposto pago a Miguel e a proibição dos banhos para manter a moralidade. Ele se tornou tão rico que queimava sua riqueza para ter onde guardar as coisas que constantemente adquiria. Porém, um dia um menininho saiu correndo e arrancando suas roubas corajosamente nadou no mar e logo o povo juntou pra ver, e outro menino entrou e de repente todos se apoderavam novamente do mar. Miguel depositou sua fortuna em bancos seguros e passou a colecionar conchinhas para se lembrar de sua ex-propriedade.
Conversa de velho com criança – Ele observa o velho e a menina no ônibus. A menina, como descobriu perguntando, chamava Maria de Lourdes e o velho descobriu que chamava-se Ferreira ouvindo a conversa dos dois. A menina trazia um pacote de balas como a um tesouro e o velho vinha carregado de compras e em pé. Quando o cobrador veio, com dificuldade o velho arrancou do bolso uma moeda para pagar a passagem, porém essa lhe caiu das mãos indo parar na rua. Pararam o bonde e procuraram a moeda e como não a acharam o velho não teve que pagar. A menina ofereceu uma bala a Ferreira que aceitou, ambos eram amigos, notava-se só de olhar, percebia-se também que a menina só oferecera a bala para ela também poder comer. Quando o bonde parou os dois desceram e o homem ficou a se perguntar se eram grandes amigos ou apenas vô e neta muito amigos.
Extraordinária conversa com uma senhora de minhas relações – Ele estava em pé no ônibus se segurando pelas argolas que ficam no teto, ela estava sentada e, como eram conhecidos, sorriram. Ele não se lembrou da imagem dela, até porque a via de cima pra baixo, então quando ela o cumprimentou com um bom dia tentou decifrar quem era através da lembrança da voz. Não conseguiu e se pôs em avaliações sobre o vestido dela, o valor que dava as curvas certas e os limites que impunha. Ela lhe perguntou como ia e só na segunda vez que ele a respondeu com versos, segundos depois corrigidos pela pergunta certa, “Vou bem. E a senhora como vai?”, ao que ela lhe falou sobre sua preocupações com um gato, eletrocardiogramas e etc. No entanto, ele não a ouvia pois se questionava sobre ultrapassar ou não os limites. Depois disso o ônibus parou e ela desceu, sendo pra ele essa a mais extraordinária conversa que tivera com damas de sua relação.
Um escritor nasce e morre – Ele morava em uma cidadezinha pequena e em uma aula de geografia a professora falava sobre países longes e citou o Pólo Norte, foi ali que o escritor nasceu. Escreveu a viagem da sua cidadezinha ao Pólo Norte, a professora tomou o texto e o afirmou como um grande escritor. Foi assim que ele cresceu e foi embora, escreveu contos e poesias, não gostava de se achar um escritor literado e fazia críticas aos outros. Ao fundo ouvia uma voz que lhe afirmava ser um artista nato. Então aos trinta anos morreu.